Eu
sei que a tristeza pode ser um meio de aprendizagem. Mas sei também que não sou
perfeita, sou humana e propensa a todas as caídas e recaídas que um ser humano
normal pode sofrer. Mas acho que justamente por isso, o cansaço está vencendo
meu ânimo e por vezes fico sem saber o
que fazer ou pensar, como agir diante de determinadas situações. Se formos atrás
de textos de auto ajuda, de sites que falem de tristeza e de como sair dela,
vamos encontrar uma gama muito grande de religiosos, cada qual puxando brasa
para a sardinha da sua igreja. Outros mostrarão frases de lugar comum, como
dizer que o nosso problema não é o maior do mundo e que tem sempre alguém
sofrendo mais. Mas é lógico que sabemos de tudo isso e é mais lógico ainda que
pelo menos eu, dentro da minha ignorância espiritual, procuro levar todos esses
conceitos comigo. Não precisa ser muito inteligente e sim ser um pouco humano
para saber dessas coisas e saber também que, embora nosso problema não seja o
maior do mundo, é o nosso problema, é o que está doendo, machucando,
angustiando... Não posso comparar minhas preocupações com a de uma pessoa que
não tem o que comer, que não tem família e encontra-se em um estado miserável
de vida. É mais do que lógico isso. Mas dói, angustia, gera ansiedade e como
machuca!
Machuca
mais ainda quando os nossos problemas não podem ser resolvidos por nós mesmos,
dependem de outros para isso. Aí a ansiedade, a tristeza triplica. E nesses
casos e realmente não conheço nenhuma frase de efeito geral para me conformar. Pelo
menos comigo, eu começo a rever todos os passos que dei e começo a me perguntar
se eu não poderia ter feito melhor. Sou mãe, sou esposa, sou profissional, dona
de casa e posso garantir que não faço nada sem pensar em como minha família vai
ficar. Não posso fazer o que quero, na hora que quero nem do jeito que quero,
pois existem pessoinhas que dependem de mim. E justamente por isso fico me
cobrando, tendo certeza de que poderia ter tomado decisões melhores na vida, especialmente
depois que fiquei viúva. Mas na hora em que as decidi, não estava pensando
somente em mim ou agindo como uma egoísta, queria ver o bem estar comum. Mas mesmo
assim, ainda fico me perguntando onde errei e tentando me vigiar o tempo todo para
não errar.
É
muito ruim quando você tem a sua história atrapalhada pelos outros. Nossa vida
é um crescimento constante, hoje você provavelmente está bem melhor do que há
alguns anos em vários aspectos. Mas, e
quando algum intrometido te atrapalha? Quando seus pais fazem tudo errado? E quando
seu marido, que tinha tudo que qualquer ser humano normal deseja ter, com um
lar e uma família linda, resolve se matar? E então, ter que começar tudo de
novo, do zero?
Tantas
pessoas da minha idade e da minha época que viveram linearmente e quando olho
para elas sinto uma certa inveja. Não do que elas têm de material, até porque
eu nem sei o que muitas delas têm. Mas porque elas construíram uma vida de
forma constante, crescente, sem intromissão de ninguém que as forçasse a
começar tudo de novo, de uma maneira louca, sem precisar fazer coisas absurdas
para sobreviver.
Existem
certas decisões que não adianta revogar, não adianta chorar o leite derramado. Mas
mesmo essas, ainda podem ter seu lado positivo. Eu fico pensando se tivesse
feito de outra forma, mas a essa altura, não adianta ficar nessa. Tenho mais é
que seguir, sacudir a poeira e fazer a coisa certa com o que tenho. Mesmo imaginando
que jamais pensei em passar por algumas situações. E é isso que dói. Fora o
fato de ter sido forçada a ser adulta muito cedo. Como é que eu passei de
criança que assistia Xuxa todo dia para dona de casa? Como é que eu hora estava
andando de bicicleta lá na minha cidade do coração, com o vento (que adoro) no
rosto, sentindo toda a liberdade que eu poderia ter naquela idade e de repente
eu ter que tomar conta de compras, casa, banco, dinheiro, carro, marido,
filhos, emprego e por aí se vai? Por que as pessoas se acharam no direito de
atropelar minha vida, maltratando-me e me colocando em situações mais do que
absurdas, que as pessoas da minha idade não passaram?
Por
que eu tive que ir para uma delegacia simplesmente porque minha mãe queria me
dar uma prensa, queria mostrar que era ela quem mandava, sem que eu nunca
fumasse maconha ou usasse outras drogas, nunca cometi nenhum crime e não
passasse de uma menina medrosa que teve que perder o medo de tudo para
sobreviver?
Por
que eu tive que andar a pé até a desnutrição enquanto estava no começo da
faculdade, por que eu tinha que comer o que me davam de ajuda, porque eu não
tinha dinheiro nem pra ônibus nem pra almoço, mas para os meus pais nunca
faltou carro, comida e lazer?
Por
que eu tive que assumir a educação de um jovem sem que eu nunca tivesse tido
nenhuma experiência com cuidado de outras crianças, ainda mais em se tratando
de adolescentes, uma fase extremamente difícil? Como, se eu mesma era
adolescente?
Por
que eu tive que ficar calada até adoecer, doença essa que carrego até hoje,
comendo meus ossos, minhas cartilagens e me obrigando a tomar altas doses de
morfina todos os dias?
Meu
espírito é de natureza livre. Não leviana, mas livre. Livre para poder ajudar
quem eu queira, conversar, ter um amigo do coração, poder me deslocar para onde
quiser, o que não significa que curto festas e baladas, não bebo nem fumo, mas
acho que não existe melhor passeio do que ver vitrine de shopping com meus
filhos. E por que tive essa liberdade arrancada de mim, meu amigo expulso da
minha vida e minhas asas cortadas? Tudo foi se juntando de forma que hoje
procuro me libertar desse peso acumulado nos ombros. Muita coisa ainda dói
muito, porque não depende só de mim. Espero que logo, logo, tudo se resolva,
para que eu possa então partir para outros rumos, em busca de minhas
realizações que não incluem somente a mim. Quero ter tranquilidade para poder
voar, com responsabilidade, com amor, com atenção. E quero sentir a leveza que
uma mulher de quase quarenta anos deve sentir, com toda a realização e
felicidade que deve ser sentida. Não quero me olhar no espelho e me ver cansada
de tanto lutar, nadar, nadar e morrer na praia. Quero ver a tranquilidade de
uma missão cumprida. Eu sei que isso hoje, atualmente, é meio difícil, volto a
dizer, por conta da dependência de outras pessoas. Mas espero um dia poder
sentir novamente aquela liberdade cheia de leveza, alegria e amor, muito amor.